Só dois prefeitos em 25 anos. Ambos ruralistas
A sala de espera do gabinete, localizado na área administrativa de um antigo armazém de agrotóxicos, está sempre cheia quando ele está por lá. Naquela segunda-feira de setembro em que esperávamos ser recebidos pelo político, a lotação era tamanha que, mesmo não sendo nem 10 horas da manhã, o pequeno aparelho de ar condicionado lutava sem sucesso para dar conta do calor de quase 30 graus.
Dividíamos o espaço com alguns agricultores, de chapéu na cabeça e botinas de couro rústico nos pés, e uma moça com capacete de motociclista na mão. Estavam de pé. Outros homens, sentados e vestidos com camisas e botas de grife, comentavam entusiasmados as intenções de voto em Jair Bolsonaro. Numa pequena mesa e num balcão, havia jornais e santinhos de campanha.
“O Zeca, pode ser o dia que for, se você chegar aqui, ele te atende”, comentava um dos sujeitos com ar de ruralista ao vizinho de poltrona. “Ali tem gente que [veio] para tratar de negócios, outros para tratar de política. Aquele senhor de chapéu me representa na cidade vizinha, Poxoréu“, me responderia o deputado, depois, quando o questionei quem eram as pessoas que estava conosco na sala de espera. “Deve estar agoniado para me pedir alguma coisa porque eu só mandei material [de campanha] para ele.”
Zeca Viana nasceu em 1956 em Ampére, uma cidadezinha do sudoeste do Paraná que hoje tem pouco mais de 18 mil moradores. Cresceu na roça, filho de um pequeno agricultor que era fã de Leonel Brizola. “Meu pai era carioca, brizolista. Quando Brizola voltou do exílio [em 1979] fomos lá em Foz do Iguaçu [onde o político desembarcou vindo do Paraguai]. E a gente criou o PDT em Ampére”, lembrou.
Com alguns irmãos, perambulou pelo Paraná produzindo em terras arrendadas até juntar dinheiro suficiente para comprar uma área no Mato Grosso – chegou a Primavera do Leste em 1985, um ano antes da emancipação do município.
Uma pessoa que acompanha a história da cidade desde o início e que pediu para não ser identificada me contou que Getúlio Viana, irmão de Zeca e de quem falaremos mais adiante, gosta de contar que trouxe toda a mudança da família num Chevette. Eram tempos em que havia tanta terra disponível na região que um dos pioneiros chegou a trocar uma área de centenas de hectares por um carro usado.
Em 1985, quando os Viana chegaram aonde hoje está Primavera do Leste, o lugar era apenas um distrito da agora bem menor Poxoréo – a emancipação viria no final do ano seguinte. Não havia uma única rua asfaltada. As levas de migrantes que subiram do Sul do país para a região também levaram os grandes adversários políticos dos Viana ao município: a família Piana.
“Por 24 anos e oito meses, o comando de Primavera do Leste ficou entre Érico Piana, que foi prefeito por quatro vezes, e Getúlio Viana”, contou-me um observador da política local que pediu anonimato. Como vocês já devem ter percebido, ninguém gosta de abrir o bico por lá. Érico Piana, hoje afastado da política, também é produtor rural. O que significa dizer que o ruralismo manda na cidade desde seu nascimento – o ciclo só foi quebrado em 2016, quando Leonardo Bortolin, do MDB, filho de uma família de classe média e com passagem pela União da Juventude Socialista na adolescência, aproveitou-se de uma crise política local para eleger-se prefeito.
Getúlio Viana chegou à prefeitura pela primeira vez em 2004 e conseguiu a reeleição quatro anos depois. A carreira política de Zeca, o mais novo de três irmãos, começou apenas em 2010, graças, segundo ele, a outro figurão local, esse com sobrenome famoso em todo o país: José Nardes, irmão de Augusto Nardes, relator do processo das pedaladas fiscais no Tribunal de Contas da União, estopim para o impeachment de Dilma Rousseff, atualmente enroscado na Lava Jato e com a Polícia Federal.
“José Nardes era nosso candidato a deputado estadual, mas fez um acordão, renunciou à candidatura e declarou apoio a nossos adversários. Daí Getúlio falou que eu tinha que ser candidato a deputado estadual. Foram 55 dias de campanha, e eu me elegi”, contou-me Viana.
‘Se tu mudar o que eu disse, vai ter problemas’
“Getúlio é que mudou de lado. Eu fiquei onde estava e retirei minha candidatura”, reagiu José Nardes, um sujeito que fisicamente se parece muito com Zeca Viana e é o atual presidente do Sindicato Rural de Primavera do Leste.
“[Zeca Viana] Não é meu desafeto. Mas acho um absurdo um deputado ficar oito anos representando sua cidade e não trazer uma emenda sequer. A única ressalva que eu tenho é essa aí. Como pessoa, problema nenhum”, ele disse, mostrando uma visão bastante pragmática da política.
Num impresso com tiragem de 25 mil exemplares – quase um para cada dois moradores da cidade – que fez questão de me entregar, Zeca Viana lista mais de R$ 2 milhões em obras e outros benefícios para a região que diz ter enviado a Primavera do Leste. A principal ligação entre os lados rico e pobre é um viaduto sob a rodovia, que o deputado garante ter sido concluído graças a um pedido dele ao governo federal, em 2016.
Apesar disso, a reclamação de Nardes me foi repetida por muita gente em Primavera do Leste – a tal ponto que alguns viam em risco a reeleição do deputado. “Não vou votar e não vou pedir voto para ele”, cravou Nardes.
Também perguntei ao presidente do Sindicato Rural se ele via algum indício de irregularidade no aumento patrimonial de Zeca Viana. Ele deu de ombros. “O setor em que nós trabalhamos tem bons momentos, então ele deve ter passado por bons momentos e acumulado [patrimônio]. Aqui nunca teve problema de frustração de safra”, falou, antes de se despedir me fazendo uma ameaça: “Só bota o que eu falei. Se tu mudar, tu vai ter problemas”.
‘Foi como ser patrolado’
Um dos “adversários” a que Zeca Viana se referiu é o radialista Luizinho Magalhães. Questionei-o como foi concorrer, em 2010, contra um homem com tal poder financeiro. “Foi como ser patrolado, né? Era o sentimento realmente de você ser patrolado pelo poder aquisitivo. Quem tem tanto dinheiro tem uma musculatura diferente para fazer campanha”, admitiu. Patrola, no linguajar sulista, é uma máquina usada para aplainar estradas rurais. No sentido figurado, segundo o dicionário, significa “devastar, dizimar”.
Para se ter uma ideia, o segundo candidato mais rico na Assembleia Legislativa do Mato Grosso, Dilmar Dal Bosco, do DEM, que também concorre à reeleição, tem um patrimônio declarado de R$ 19,8 milhões – o equivalente a 8,6% da fortuna de Zeca.
Zeca Viana se esquiva ao ser perguntado se o dinheiro lhe facilita o trabalho de coletar votos. “Até atrapalha. Porque as pessoas acham que, se você tem dinheiro, então pode dar”, respondeu. “Eu ia falar [o que eleitores pedem], [mas] não vou porque senão vai ficar gravado o que eles tão pedindo. Mas acho que vão pedir até o final da campanha”, prosseguiu, gargalhando.
Ele também abusa da fanfarronice ao falar da própria influência política. “Esse governador atual [Pedro Taques, do PSDB] só está no cargo porque eu tive uma grande participação na campanha dele, levei ele ao estado todo com meu avião, e ele nunca me pagou um litro de gasolina”, contou. O avião é um Beechcraft Baron 58, ano 2000, declarado por R$ 560 mil em 2014. No mercado, entretanto, o valor é maior: um exemplar do tipo fabricado em 1974 custa R$ 850 mil, e os modelos da década de 1990 saem por mais de R$ 1 milhão.
O que amargura o deputado não foi ter gasto o dinheiro para abastecer o avião, mas a rusga que se seguiu à posse do governador. “Logo no início do governo [de Pedro Taques], estávamos discutindo sobre cargos [de confiança em órgãos públicos] no interior, [e pedi] para darmos preferência a nossos companheiros de coligação. E ele optou por favorecer um adversário nosso”, disse Viana.